T. S. Eliot “teorizou” sobre o tema num seu famoso poema chamado The Naming of Cats, lembrando a que ponto nomear um gato pode ser um exercício de extrema complexidade, sobretudo atendendo a que os gatos são seres que requerem três nomes: um para uso diário, em casa, pela família, tal como Augusto, ou Eduardo, ou Valentim; um outro para diferenciar um gato particular de todos os outros no Mundo, entregando-lhe um nome improvavelmente replicado, como por exemplo Bombalurina, ou Munkustrap – nomes que ajudam um gato a manter a cauda perpendicular e um porte cheio de power; e finalmente um terceiro nome, vedado aos humanos, que apenas o gato conhece e jamais revelará – e basta ver o gato enfiado na sua imperscrutável meditação para perceber a que ponto esse nome misterioso e para sempre ocultado o absorve inteiramente.
Nome, o espectáculo criado pela Companhia da Chanca, aborda com criatividade a temática do nome – do nome próprio que os pais entregam aos filhos para que o levem pela vida fora. O que é um nome? O que contém um nome se for associado a alguém próximo? Quem seríamos sem um nome? Ninguém, não existiríamos se não pudéssemos ser nomeados – daí que o facto de cada vez mais sermos um número (um número de contribuinte, um número de conta bancária, um número de cliente-consumidor, um número de IP) constitua a evidente aniquilação dessa melhor forma que um nome inscreve numa memória.
Há línguas de grande precisão semântica em que não dizemos que nos chamamos mas antes que nos chamam – como por exemplo o grego moderno ou o alemão. Como te chamam?, pergunta quem quer conhecer o nosso nome. Um nome é, assim, uma parte muito importante de nós – o nós que é construído pelo que acontece no diálogo que estabelecemos com os outros que nos nomeiam. Daí que possa ser uma boa ideia dar aos filhos um nome ainda sem história, para que, justamente, eles a possam construir.
Artur Abreu de Matos tem um problema: vai ser pai e não sabe que nome entregar ao filho que vai nascer da mãe. Foi ao bruxo Bazunganga mas nem assim encontrou uma solução. Absorvido nessa sua procura, Artur dá consigo a evocar o seu avô Lisandro – ou Lizandro, como o rio, mas também como a pessoa do avô e a sua vida, indissociáveis do nome e compondo uma história que talvez seja demasiado grande para entregar a alguém tão novo e inaugural como um bebé. O mais avisado, digo eu, será pensar muito bem antes de homenagear os avós ou fazer dos filhos, através do nome, uma extensão dos pais antes mesmo de se tornarem gente.
Sediada em Chanca, concelho de Penela, a Companhia da Chanca realiza com Nome a sua segunda produção própria. Com texto de Pedro Branco, o espectáculo (criado a convite do Teatro Extremo, em Almada, tendo estreado há apenas uma semana) tem encenação de Catarina Santana e interpretação de André Louro. Pode ser visto nas escolas do ensino básico do Concelho de Almada até ao próximo dia 15 de Dezembro.