PATRÍCULA ELEMENTAR

«A nossa pequena pátria, a nossa patrícula.» B. Vian

A provável derrota da coligação ‘pró-troika’ na Irlanda

Irlanda

Em Portugal, fala-se apenas o necessário, para consumo interno, da Europa; em especial, evita-se dar relevo a acontecimentos e notícias desfavoráveis à vaga do neoliberalismo até agora dominante – é mais fácil que cheguem ao nosso conhecimento breves referências anódinas ou acríticas aos comportamentos xenófobos, e portanto antidemocráticos, na Dinamarca, Polónia, Hungria ou República Checa e outros países do que as manifestações de vontade popular contra as políticas de austeridade; ou é ainda fácil divulgar relatórios, ditos internos, da CE a criticar o actual Governo Português ou algumas medidas orçamentais que este defende e que, pelos vistos, a Moody’s acolhe favoravelmente.

Apesar de tudo, dei conta de que o ‘Público’ e o ‘Expresso’, nas últimas horas, se referiram às eleições na Irlanda e respectivos resultados. Trata-se de país nosso companheiro da austeridade imposta pela CE, BCE e FMI, condição que, à partida, justifica especial observação daquele evento eleitoral.

E por que razão as eleições da Irlanda têm importância para os portugueses? Não uma única, mas várias: (i) também terminou, com autoproclamado sucesso, o ‘programa de ajustamento’ a que esteve submetido devido à ajuda externa; (ii) em 2015 a Irlanda conseguiu um aumento do PIB de 7%; (iii) argumentava-se que, socialmente, o País estaria melhor – sucede que o povo irlandês está muito insatisfeito com a deterioração acentuada do ensino, da saúde, das políticas públicas em geral e ainda a medida de cobrança de taxas de consumo de água.

De resto, o optimismo na vitória do Primeiro-ministro, Enda Kenny, líder do partido ‘Fine Gael’ (centro-direita) que tem governado o país em maioria em coligação com o ‘Labour’; esse optimismo, dizia, estava longínquo do sentimento popular. Tão óbvio que, ainda há dias, em reunião do Eurogrupo e em coro com o Ministro das Finanças holandês, Dijsselboem, o Sr. Enda se permitiu tecer críticas ao governo português, reforçando a defesa da manutenção da sua coligação governamental sob ameaça dos riscos do que estava a suceder em Portugal.

Ao que dizem as notícias, apoiados em sondagens credíveis, o ‘Irish Times’ e ‘The Guardian’ admitem com grande probabilidade a derrota da coligação governamental – uma derrota de governos de coligação nunca vem só, pensará consternado Passos Coelho.

O primeiro dos citados jornais sublinha ainda que uma aliança pró-governamental entre o ‘Fine Gael’ de Kenny e o segundo partido melhor classificado, o ‘Fianna Fail’, é praticamente improvável e com Kenny na liderança do primeiro partido é mesmo impossível – a história das relações entre os dois partidos é marcada por extrema hostilidade, estando associada à Guerra Civil dos anos 1920, depois designada Guerra da Independência.

Varoufakis, ex-Ministro das Finanças Grego, citado pelo ‘Irish Times’ declarou:

“O eleitorado rejeitou as políticas de ‘beco sem saída’ […] o antigo regime está morto, mas o novo regime está a lutar para nascer”

Em relação ao Norte da Europa, o Sr. Schäuble, chefe supremo e efectivo do Eurogrupo, está por enquanto tranquilo (a extrema-direita é um descanso), mas na periferia os problemas de transformações políticas estão a sair-lhe furadas: Grécia, Espanha, Portugal e agora Irlanda já começam a formar um grupo de algum peso. E depois ainda há que aguardar o referendo do ‘Brexit’ e outros nacionalismos. Em imagem da teoria da electricidade, havendo cargas do mesmo género é legítimo esperar que, via Le Pen, as cargas alemãs e francesas se venham a repelir.

É deste jeito que a Europa está a deambular por caminhos erráticos a que o neoliberalismo a conduziu e que as grandes incertezas a impelirão para complexos trajectos.

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