PATRÍCULA ELEMENTAR

«A nossa pequena pátria, a nossa patrícula.» B. Vian

Liquidação total da universidade

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Um autor irado, que começa o livro a citar Jean Genet para dizer que «do que precisamos é de ódio. Dele nascerão as nossas ideias». O livro compara a instituição universitária francesa com as de outros países, mas também com outros sectores da sociedade francesa, como sejam os meios hospitalar ou jurídico. Anunciada a morte da universidade em França, o livro percorre o caminho que a destruiu, e que o autor não considera nem um fenómeno (para dizer algo imponderável e alheio à acção dos governantes e outros decisores), nem um processo (para dizer algo inelutável que decorre no prazo longo), mas uma escolha deliberada que resulta de um conjunto de políticas. Políticas cuja génese reproduz o modelo liberal norte-americano que, paulatinamente, se impôs em França, sobretudo a partir da massificação do acesso à universidade.

«Liquidação total»: o título que abre o capítulo que Christophe Granger, historiador, dedicou à análise da submissão da universidade aos mercados (designadamente os do trabalho), pelo apagamento da ciência e o surgimento de um tipo de investigação que pretende responder a equações estrangeiras ao Conhecimento: oferta&procura, gestão rentável, e, claro, a obrigatoriedade de preparar futuros trabalhadores nos ofícios que interessam as empresas e as indústrias com poder e perspectivas. Com uma ajuda preciosa da crise e da sua representação proveitosa para quem tem dividendos a retirar da actual miséria moral europeia. Com o conhecido recurso ao medo e à repressão do pensamento divergente. Pretexto para todas as reformas, a crise determinou um desinvestimento dos Estados nas universidades, impondo-lhes um financiamento com recurso prevalecente a capitais privados e cedências inacreditáveis aos seus novos investidores.

Eis, numas poucas linhas, um brevíssimo resumo de uma recensão ao livro La destruction de l’université française. Um cheirinho do livro (em Francês) aqui. Para nos ajudar a pensar sobre o que se passa também em Portugal, onde1507-1 a universidade tem igualmente sido vilipendiada e a empresarialização do ensino tem vindo a transformar as antigas faculdades e demais escolas superiores em lugares sórdidos e sem relação com a sua História e função na sociedade.

Imagem: um anfiteatro numa Faculdade de Letras em Bordéus

 

About Sarah Adamopoulos

Antiga jornalista profissional. Antiga editora e tradutora freelancer (criação e produção editorial). Anda pelos blogues desde 2003, bons lugares para a escrita rápida e para o debate de sociedade. Autora de vários livros, entre os quais "Agosto" (literatura, 2023) e "Voltar – memória do colonialismo e da descolonização" (investigação historiografia, 2012). Traduziu para português europeu, por sua iniciativa editorial, o primeiro grande estudo económico sobre a desigualdade no Mundo publicado no século XXI ("O capital no século XXI", de Thomas Piketty). Escritora e dramaturgista, tem sempre espectáculos de teatro e poemas na cabeça.

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