O Expresso diz de si próprio que entrega aos seus leitores a liberdade para pensar. É esse um dos seus slogans. Seria muito bom se assim fosse, pois significaria que o Expresso era um jornal cuja imparcialidade editorial permitia a formação de opinião própria, e logo livre. Sucede que o Expresso não procede assim, o que fica bem patente nas escolhas das ‘histórias de capa’ do jornal, que reflectem o posicionamento ideológico dos responsáveis editoriais do grupo de comunicação social Impresa, detido por Francisco Pinto Balsemão.
Atente-se no título central da edição de hoje: “Berlim avisa: regras são para cumprir”. O que este título diz é que Berlim é quem manda e que Portugal é quem é mandado, sem mais conversas, independentemente de tudo. O que diz, ainda, ou sugere, é que Berlim (ou o não-eleito eurogrupo) não negoceia, e muito menos dialogará com um Governo socialista (ainda por cima suportado parlamentarmente por partidos à esquerda do PS). Ou seja, diz que não há diálogo democrático na UE que possa valer a Costa. O título transporta, para além do mais, um julgamento ideológico apriori relativamente a supostas intenções obscuras que moveriam os actuais governantes.
Prossegue, assim, a impugnação, por parte da comunicação social com grande espaço mediático na sociedade portuguesa (a Impresa detém também a SIC e a SIC-Notícias, canais vistos por largas parcelas de portugueses), do Governo de António Costa – i.e., a contestação da sua legitimidade para governar. Ou seja, a oposição resiliente ao seu direito de fazer escolhas políticas que vão contra o status quo neoliberal que o anterior governo ajudou a inscrever na percepção colectiva do que pode ser a realidade.
Se há uns meses vi a jornalista Ana Lourenço (entretanto desaparecida dos estúdios da SIC-Notícias) a tratar António Costa como um delinquente, ontem mesmo, também na SIC-Notícias, vi Ricardo Costa (irmão de António, actual primeiro-ministro de Portugal), José Gomes Ferreira e mais uns comentadores alinhados na mesma “narrativa”, a enfrentar, em bloco e com modos próximos do desrespeito, o deputado e professor catedrático (partidariamente independente e tecnicamente inquestionável) Paulo Trigo Pereira.
Mais: sugeria o referido grupo maioritário de comentadores (alguns com responsabilidades enquanto jornalistas) que o Governo de António Costa teria tido atitudes arrogantes perante Bruxelas e Berlim. Enfim. Basta pensar na grosseiramente deficiente representação de pensamento contraditório (apenas Trigo Pereira) para estar quase tudo dito.
Aliás, a esmagadora prevalência de comentadores e jornalistas opinadores reféns do pensamento que não vislumbra alternativa, tem sido uma constante nos media portugueses desde a crise do subprime. Um padrão que deixa muito a desejar (literalmente, pois não existe nele lugar para o desejo – entendido como esperança no futuro) e que revela o espaço (por omissão) do pluralismo no espelho da sociedade que sempre constitui o jornalismo.
Mas na capa da edição de hoje do Expresso há uma outra ‘chamada’ que dá que pensar: “Número de suicídios em Portugal nunca foi tão alto”. Parece-me haver uma evidente relação entre o que Berlim tem tido o poder de mandar fazer em Portugal e a quantidade de portugueses que têm perdido o amor à vida.
[Nota: este texto retoma estoutro]
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